Envelhecemos porque enferrujamos. Isso é um fato indiscutível. No entanto, o papel exato que o oxigênio desempenha no envelhecimento sempre foi um assunto polêmico em artigos científicos.
Denham Harman (1916-2014) cunhou sua teoria dos radicais livres, em 1956, para explicar o papel do dano oxidativo em moléculas, células e tecidos no envelhecimento. Com base nessa hipótese, vários estudos mostraram como o dano oxidativo influencia a longevidade, mas com discrepâncias entre os modelos de estudo.
Sem oxigênio, a longevidade aumenta… em camundongos
Agora, um novo trabalho apresenta novas evidências sobre o papel do oxigênio e dos radicais livres (ROS no jargão científico) no envelhecimento e na longevidade. Para este estudo, os autores usaram camundongos normais, considerados do tipo selvagem, e outros com uma mutação que os fazia envelhecer rapidamente. Os animais foram submetidos a um nível de O2 de 11% (hipóxia) versus o nível normal de 21% (normóxia). Nessas condições, os animais mutantes submetidos à hipóxia apresentaram aumento de 50% na longevidade, afetando tanto machos quanto fêmeas.
Animais com longevidade acelerada vivendo sob níveis normais de oxigênio começaram a morrer cedoàs 9 semanas de vida, enquanto os animais submetidos à hipóxia começaram a morrer após 20 semanas de vida.
Os camundongos usados não sofreram mudanças ao nível do peso mas sim ao nível da funcionalidade muscular e coordenação motora. Assim, camundongos mutantes submetidos à hipóxia mantiveram melhor capacidade do que os mutantes mantidos em condições normais de oxigênio.
Tem algo a ver com inflamação?
Um dos componentes envolvidos no envelhecimento é a resposta inflamatória. Animais mutantes apresentaram maior expressão de componentes pró-inflamatórios no cerebelo do que animais selvagens em níveis normais de oxigênio, indicando o papel do dano oxidativo na neuroinflamação e neurodegeneração e seus efeitos cognitivos e de coordenação.
Surpreendentemente, neste estudo os autores não encontraram diferenças na expressão de fatores inflamatórios entre animais mutantes submetidos à hipóxia em comparação com aqueles submetidos a condições normais. Este fato acrescenta um fator chocante pois introduz dúvidas sobre o papel da neuroinflamação na maior longevidade e funcionalidade muscular.
Outro dos resultados controversos em que também não houve diferença em termos de dano ao DNA entre animais mutantes submetidos à hipóxia e aqueles submetidos a níveis normais de oxigênio. Os dois grupos apresentaram o mesmo nível de dano em todos os órgãos estudados.
Todos esses resultados confirmam a natureza multifatorial do envelhecimento onde um único componente não explica maior ou menor longevidade.
Um modelo pouco aplicável ao envelhecimento natural
Apesar de seu aparente impacto, este novo estudo tem uma limitação inquestionável: o modelo utilizado não é um modelo fisiológico do envelhecimento natural. Os autores usam um modelo acelerado de envelhecimento em camundongos. Os animais utilizados sofrem de uma mutação no gene Ercc1. Esse gene codifica uma proteína essencial para o reparo do DNA nas células, por isso sua falta aumenta o aparecimento de mutações no DNA dos animais.
Esse aspecto é importante para entender a limitação do estudo, pois obviamente o dano oxidativo do DNA depende da presença de oxigênio e da produção de radicais livres. Por isso, o que esse modelo animal demonstra é que muitas das mudanças que observamos no envelhecimento estão relacionadas a danos no DNA e à perda de funcionalidade de diferentes genes e proteínas.
Ao fazer esses animais viverem em condições de baixo oxigênio, é lógico verificar que se houver menos oxidação do DNA, a atividade da proteína Ercc1 é menos relevante e, portanto, a perda de funcionalidade relacionada ao envelhecimento é menor, ou pelo menos mais lenta.
Esses resultados poderiam ser relevantes para humanos?
Está ficando cada vez mais claro que o envelhecimento está associado ao acúmulo de danos nos níveis molecular, celular e orgânico, com uma correspondente perda de função.
Essa perda de função durante o envelhecimento seria como se nossas células acumulassem ferrugem dentro e fora delas que eles são incapazes de remover. Como consequência, as máquinas moleculares perdem eficiência ou até mesmo ficam bloqueadas. Esses danos também afetam os componentes moleculares mais básicos, que regulam a integridade e a expressão de genes importantes para a sobrevivência do organismo.
No geral, este novo artigo não acrescenta nada que já não saibamos sobre a importância do dano oxidativo e do reparo do DNA no envelhecimento e na longevidade. No entanto, afeta a importância da produção de radicais livres derivados do oxigênio e danos ao DNA no aparecimento de disfunções que afetam seriamente o sobrevivência.
Portanto, se conseguirmos encontrar mecanismos terapêuticos que reduzam o acúmulo de danos ao DNA – por exemplo, que reduzam os danos oxidativos ou que estimulem o reparo do DNA –, poderemos reduzir, pelo menos em parte, a perda de funcionalidade durante o envelhecimento. E embora não aumentasse a longevidade, sim melhoraria a saúde em uma idade avançada.
Guillermo López Lluch, Professor da área de Biologia Celular. Pesquisador associado do Centro Andaluz de Biologia do Desenvolvimento. Pesquisadora em metabolismo, envelhecimento e sistemas imunológico e antioxidante, Universidade Pablo de Olavide.
Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation. Leia o original.