As medições da expansão do universo não batem certo

Mais de uma centena de cientistas reuniram-se este verão no Instituto Kavli de Física Teórica da Universidade da Califórnia (EUA) para tentar esclarecer o que está acontecendo com os dados discordantes sobre a velocidade de expansão do universo, questão que afeta a própria origem, evolução e destino do nosso cosmos. Suas conclusões foram publicadas na revista Astronomia da Natureza.

“O problema está no Constante de Hubble (H )um valor – na verdade não é uma constante porque muda com o tempo – que indica a rapidez com que o universo está se expandindo atualmente”, diz o físico teórico Licia Verdepesquisador do ICREA no Instituto de Ciências do Cosmos da Universidade de Barcelona (ICC-UB) e primeiro autor do artigo.

Os dois tipos de medições da constante de Hubble, a atual taxa de expansão do universo, oferecem valores diferentes

“Existem várias formas de medir esta quantidade”, explica ele, “mas no geral podem ser divididas em duas grandes classes: as do universo local (Universo tardioos mais próximos de nós no espaço e no tempo) e os do universo primordial (Universo Primitivo) e não dão exatamente o mesmo resultado.”

Um exemplo clássico de medições no universo local são aquelas fornecidas pelas pulsações regulares do estrelas cefeidasque já foi observado pela astrônoma Henrietta Swan Leavitt há um século e que ajudou Edwin Hubble a calcular distâncias entre galáxias e a demonstrar em 1929 que o universo está em expansão.

A análise atual do brilho variável das Cefeidas com telescópios espaciais como o Hubble, juntamente com outros observações diretas de objetos em nosso ambiente cósmico, indicam que o valor de H0 é aproximadamente 73,9 quilômetros por segundo por megaparsec (uma unidade astronômica que equivale a cerca de 3,26 milhões de anos-luz).

No entanto, medições baseadas no universo primordial oferecem um valor médio de H0 de 67,4 km/s/Mpc. Esses outros registros, obtidos com dados do Satélite Planck da Agência Espacial Europeia e outros instrumentos, são obtidos indiretamente com base no sucesso do modelo cosmológico padrão (Modelo Lambda-CDM), que propõe um universo composto por 5% de átomos ou matéria comum, 27% de matéria escura (formado por partículas ainda não detectadas que proporcionam uma atração gravitacional adicional para que as galáxias não se separem) e 68% de energia escura, responsável pela aceleração a expansão do universo.

Ilustração da história do universo

“Em particular, estas medições do universo primordial concentram-se na luz mais distante que pode ser observada: a radiação de fundo em micro-ondas, produzida quando o universo tinha apenas 380.000 anos de idade, no chamado época de recombinação (onde os prótons se recombinaram com os elétrons para formar átomos)”, diz Licia Verde.

É como tentar enfiar a linha numa ‘agulha cósmica’ cujo buraco é a constante de Hubble e a linha é trazida pelo modelo cosmológico.

O pesquisador destaca um fato relevante: “Existem formas muito diferentes e independentes (com instrumentos e equipes de cientistas totalmente diferentes) para se chegar à medição de H baseados no universo primordial, e o mesmo ocorre com os do universo local. O interessante é que todos de um tipo concordam entre si com uma precisão requintada de 1 ou 2%, e os do outro também concordam com os seus com essa grande precisão; mas quando comparamos as medidas de uma classe com as da outra, surge a discrepância.”

“Parece uma diferença pequena, apenas 7%, mas é significativa tendo em conta que estamos a falar de precisões de 1 ou 2% no valor da constante de Hubble”, sublinha Lúcia Verde, que brinca: “É como tentar enfie uma ‘agulha cósmica’ onde seu buraco é o valor H0 medido hoje e o fio é trazido pelo modelo do universo mais distante que podemos observar: a radiação cósmica de fundo em micro-ondas.”

Além disso, ele aponta algumas das consequências da discrepância: “O menor H , mais antigo é o universo. Sua idade atual é estimada em cerca de 13,8 bilhões de anos considerando que a constante de Hubble é 67 ou 68 km/s/Mpc; mas se o seu valor fosse de cerca de 74 km/s/Mpc, o nosso universo seria mais jovem: teria aproximadamente 12,8 mil milhões de anos.”

Modifique o modelo no universo primitivo

Os autores destacam em seu estudo que esta anomalia não parece depender do instrumento ou método utilizado para medir, nem do equipamento humano ou das fontes. “Se não houver erros nos dados ou nas medições, pode haver algum problema no modelo?”, questiona o pesquisador.

Uma maneira de resolver a discrepância é modificar o modelo cosmológico pouco antes da formação da radiação de fundo em micro-ondas.

“No final das contas, os valores de H0 da classe do universo primordial são baseados no modelo cosmológico padrão, que está muito bem estabelecido, faz muito sucesso, mas podemos tentar mudar um pouco para resolver essa discrepância – afirma o especialista. Claro, não podemos mexer nas características do modelo que funcionam muito bem, então não será fácil.”

Se os dados continuarem a confirmar o problema, os físicos teóricos parecem concordar que o caminho mais promissor para resolvê-lo é modificar o modelo imediatamente antes da luz observada no radiação de fundo de microondas, ou seja, pouco antes da recombinação (na qual já existiam 63% de matéria escura, 15% de fótons, 10% de neutrinos e 12% de átomos). Uma das propostas é que logo após o Big Bang Poderia ter ocorrido um episódio intenso de energia escura que expandiu o universo mais rápido do que o calculado até agora.

“Embora ainda seja muito especulativo, com esse modelo fixo, o valor de H0 obtidas com as medidas baseadas no universo primordial poderão coincidir com as medidas locais”, afirma Licia Verde, que conclui: “Não será fácil, mas assim conseguiremos enfiar a linha na agulha cósmica sem quebrar o que funciona bem no modelo.”

Referência bibliográfica: Licia Verde, Tommaso Treu e Adam G. Riess.“Tensões entre o Universo primitivo e tardio.” Astronomia da Natureza 3: 891–895, outubro de 2019.

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